O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, fez aparte durante o voto de Cármen Lúcia e afirmou que o tribunal está julgando uma organização criminosa que “tentou simplesmente se apoderar do Estado”. Em outro momento, mostrou o ex-presidente Jair Bolsonaro em um protesto e questionou: “Isso não é ameaça?”, em aparente alfinetada ao magistrado Luiz Fux.
Na gravação, o ex-chefe do Executivo está em um ato na Avenida Paulista, em São Paulo, e ataca os ministros do STF. Então Moraes disse: “Se isso não é grave ameaça…”.
Depois de expor o vídeo, o ministro disse que se os magistrados decidirem vale para todos os tribunais, todo os juízes: “Algum de nós permitiria, falaria que é liberdade de expressão, se o prefeito insuflar o povo contra o juiz da comarca? Qual recado queremos deixar para o Poder Judiciário brasileiro?”, indagou.
Organização criminosa
O relator do caso, Alexandre de Moraes, ainda afirmou que o tribunal está julgando uma organização criminosa, algo que já foi reconhecido e há maioria pela condenação de dois dos réus, o tenente-coronel Mauro Cid e o general Braga Netto, em virtude do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do ministro, do recém presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
“Essa organização criminosa queria calar o Judiciário e ao mesmo tempo se perpetuar no poder”, pontuou. O magistrado emendou dizendo que o ex-presidente “bolou todo esse discurso”.
Depois, Moraes exibiu vídeos dos atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, e afirmou: “Aqui não está Mauro Cid, presidente. Não está Braga Netto, não está Garnier. Não está Ramagem. Aqui não está os demais réus, aqui está o líder da organização criminosa, que insuflava”.
Em seguida, mostrou a imagem do mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira, que destruiu um relógio histórico do século XVII no Palácio do Planalto que vestia uma camiseta que estampava o rosto de Bolsonaro.
Da trama ao tribunal
Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.
Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.
Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.
Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.
Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.
Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:
– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
– Golpe de Estado;
– Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
– Deterioração de patrimônio tombado.
Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.
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